quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Dr. José de Matos Fernandes - A Aula de um Mestre



Trabalhávamos a peça de Luís Stau Monteiro, Felizmente há Luar.  Era importante conhecer todo o contexto da mesma – o tempo da história, o tempo da escrita – o Portugal de Oitocentos, o Portugal do Estado Novo.  “ Professor vamos para a rua, o calor aperta nesta sala… queremos ar puro!”  -  Imploravam os alunos fartos das hermenêuticas claustrofóbicas da matéria e da monotonia da docência. “ E se vos trouxesse aqui alguém de Ponte de Sor que vos falasse desse tempo?” – Concordaram!
Contactámos o Dr. Zé : “ Filho, estou muito velho para ir até à escola e subir escadas…” -  Dizia-nos ele com aquela autoridade e ternura médica… “. - Mas Senhor Doutor nós vimos buscá-lo! – “ Olha filho se os alunos quiserem vir até minha casa, vou ver se lhes consigo dizer qualquer coisa.” - Aproveitámos com unhas e dentes a oportunidade. À hora marcada aparecemos. Ninguém faltou. À porta, impecavelmente vestido, esperava-nos uma figura ligeiramente curvada que sorria, com aquela alegria contagiante a impor uma simpatia imediata. - “ Entrem filhos… aqui para o meu escritório.” – Aguardavam-nos algumas cadeiras, uns bancos e três sofás. Rapidamente fizemos daquele microcosmo uma aula aconchegada. O mestre numa ponta, visível por todos, voava no maple entronizado. O silêncio espantado contrastava com o interesse de todos. E começou a falar! As mãos acompanhavam-no naquela concerto de sabedoria. Com uma lucidez total, uma lógica apetecível, uma capacidade de comunicação única, viajou pela história e pelas histórias da história. Contextualizou-nos o Portugal velho, as primeiras republicas… Livro vivo, fez-nos viajar pelas incongruências do salazarismo, pelas lutas de Humberto Delgado (a quem esteve ligado) pelas conjunturas que a história teceu.
O tempo correu célere: “ Fantástico professor, adorei!” – Segredavam-me os alunos. E o silêncio manteve-se durante a caminhada até à aula seguinte na escola. O deslumbramento da comunicação fazia-se, ainda, sentir.

Noventa e um anos de imensa sabedoria.

J.T.

In, Jornal Horizontes , Junho de 2011

Sem comentários:

Enviar um comentário