Trabalhávamos a peça de Luís Stau Monteiro, Felizmente há Luar. Era importante conhecer todo o contexto da
mesma – o tempo da história, o tempo da escrita – o Portugal de Oitocentos, o
Portugal do Estado Novo. “ Professor
vamos para a rua, o calor aperta nesta sala… queremos ar puro!” -
Imploravam os alunos fartos das hermenêuticas claustrofóbicas da matéria
e da monotonia da docência. “ E se vos trouxesse aqui alguém de Ponte de Sor
que vos falasse desse tempo?” – Concordaram!
Contactámos o Dr. Zé : “ Filho, estou muito velho para ir até à
escola e subir escadas…” - Dizia-nos ele
com aquela autoridade e ternura médica… “. - Mas Senhor Doutor nós vimos
buscá-lo! – “ Olha filho se os alunos quiserem vir até minha casa, vou ver se
lhes consigo dizer qualquer coisa.” - Aproveitámos com unhas e dentes a
oportunidade. À hora marcada aparecemos. Ninguém faltou. À porta,
impecavelmente vestido, esperava-nos uma figura ligeiramente curvada que
sorria, com aquela alegria contagiante a impor uma simpatia imediata. - “
Entrem filhos… aqui para o meu escritório.” – Aguardavam-nos algumas cadeiras,
uns bancos e três sofás. Rapidamente fizemos daquele microcosmo uma aula
aconchegada. O mestre numa ponta, visível por todos, voava no maple
entronizado. O silêncio espantado contrastava com o interesse de todos. E
começou a falar! As mãos acompanhavam-no naquela concerto de sabedoria. Com uma
lucidez total, uma lógica apetecível, uma capacidade de comunicação única,
viajou pela história e pelas histórias da história. Contextualizou-nos o
Portugal velho, as primeiras republicas… Livro vivo, fez-nos viajar pelas
incongruências do salazarismo, pelas lutas de Humberto Delgado (a quem esteve
ligado) pelas conjunturas que a história teceu.
O tempo correu célere: “ Fantástico professor, adorei!” –
Segredavam-me os alunos. E o silêncio manteve-se durante a caminhada até à aula
seguinte na escola. O deslumbramento da comunicação fazia-se, ainda, sentir.
Noventa e um anos de imensa sabedoria.
J.T.
In, Jornal Horizontes , Junho de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário